domingo, 15 de setembro de 2013

Constituição

Constituição
A cena passa-se em 2089.
A família está toda reunida na sala de chat.
A foto de perfil do senhor Rodrigues era de um abade. Também, tinha comido 11 pílulas no almoço!
Dona Bernardina, sua esposa, corria feito louca dentro do pequeno apartamento de 495 m2, reunindo os 10 cuscos venusianos (o mínimo que uma família pode ter).
Os pequenos são dois, um menino e uma menina (o máximo que uma família pode ter). O pai vê aquela foto de perfil da guria, com aquela pena de pavão mercuriano que lhe atravessa a garganta e mexe a cabeça. Ele, o guri, encostado à mesa, os pés cruzados e balançando os dois melões jupiterianos que recentemente havia colocado nas orelhas, tecla furiosamente o novo Tabló ID.
Silêncio
De repente, todos os óculos 4D piscam : "You have a new message" e em seguida:
- Velho, que é constituição, tá ligado?
O senhor Rodrigues fecha os olhos imediatamente para fingir que dorme.
O pequeno insiste e manda um toque de sirene para todos: 
- E daí Velho, tá ligado?
Pausa:
- Coroa, tá ligado?!
Dona Bernardina intervém e tecla rápido no seu Celuló ID: 
- Ó seu Rodrigues, Manduca está lhe chamando. Não durma depois do jantar, que lhe faz mal.
O senhor Rodrigues não tem remédio senão abrir os olhos e tecla rapidinho:
- Que é? que desejam vocês?
- Eu queria que papai me dissesse o que é constituição, tá ligado?
- Ora essa, rapaz! Então tu vais fazer doze anos e não sabes ainda o que é constituição?
- Se soubesse, não perguntava, tá ligado?
O senhor Rodrigues manda um In Bóxe para a Frau:
- Ó senhora, o pequeno não sabe o que é constituição!
- Não admira que ele não saiba, porque eu também não sei. 
- Que me diz?! Pois a senhora não sabe o que é constituição? 
- Nem eu, nem você; aqui em casa ninguém sabe o que é constituição.
- Ninguém, alto lá! Creio que tenho dado provas de não ser nenhum ignorante!
Daí Dona Bernadina compartilha com todos: 
- A sua cara não me engana. Você é muito prosa. Vamos: se sabe, diga o que é constituição! Então? A gente está esperando! Diga!...
- A senhora o que quer é enfezar-me!
- Mas, homem de Deus, para que você não há de confessar que não sabe? Não é nenhuma vergonha ignorar qualquer palavra. Já outro dia foi a mesma coisa quando Manduca lhe perguntou o que era proletário. Você teclou, teclou, teclou, e o menino ficou sem saber!
- Proletário - teclou rapidinho o senhor Rodrigues - é o cidadão que precisa trabalhar para viver, coisa muito antiga, muito antes de terem inventado a Maracutáia.
- Sim, agora sabe porque foi procurar no velho Gugle; mas dou-lhe um Viagra, se me disser o que é constituição sem sair da sala de chat!
- Que gostinho tem a senhora em tornar-me ridículo na presença destas crianças!
- Oh! ridículo é você mesmo quem se faz. Seria tão simples teclar: - Não sei, Manduca, não sei o que é constituição; te conecta no velho Gugle, meu filho.
O senhor Rodrigues muda a fonte e tecla rapidinho: 
- MAS EU SEI!
- Pois se sabe, diga!
- Não digo para me não humilhar diante de meus filhos! Não dou o braço a torcer! Quero conservar a força moral que devo ter nesta casa! Vá para o diabo!
E o senhor Rodrigues, exasperadíssimo, nervoso, deixa a sala de chat e se conecta no velho Lép Tópe, bloqueando outras conexões.

A menina tecla rapidamente, só compartilhando com a mãe e o irmão: 
- Coitado de papai! Zangou-se logo depois do jantar! Dizem que é tão perigoso!
- Não fosse tolo - responde dona Bernardina - e confessasse francamente que não sabia o que é constituição!
- Pois sim - tecla Manduca, muito pesaroso por ter sido o causador involuntário de toda aquela discussão - pois sim, mamãe; chame papai e façam as pazes, tá ligado?
- Sim! Sim! façam as pazes! - tecla a menina adicionando um coração no final da mensagem. - Que tolice! Duas pessoas que se estimam tanto zangaram-se por causa da constituição!
Dona Bernardina seleciona um beijo e manda para a filha, e em seguida, no privado, tecla para o marido:
- rodes.br.rs.2009 volte para o chat; não vale a pena zangar-se por tão pouco.
O negociante interplanetário esperava a deixa. Se conecta novamente:
- É BOA! - tecla o senhor Rodrigues, em caixa alta - É MUITO BOA! EU! eu ignorar a significação da palavra constituição! Eu!...
A mulher e os filhos em seguida mandam um ;).
O homem até muda a fonte, para dar mais ênfase, e continua teclando:
- Constituição...
E procura na relação de amigos se não tem mais alguém para quem possa compartilhar a lição.
- Constituição era um livro que os antigos escreviam para que todos soubessem quais eram as leis.
Em seguida vê os três Curtir aparecer na tela.
- Um livro com leis, percebem? E querem introduzi-lo no Brasil! Um amigo me teclou que lá bem antigamente todos tinham que votar, já pensou? Até tinham que sair de casa! Ainda bem que os 8 Capitães Hereditários fundaram a União Nordestina e implantaram o Dia do Grito. Foi uma baderna legal, né! Mas bastou os gaúchos amarrarem seus Carros Falantes no obelisco, lá na capital dos Estados Unidos do Café com Leite, e abafar os Trios Eletromagnéticos dos Nordestinos.
- Agora que o Dia do Curtir está funcionando tão bem, depois que o Império Romano consertou todo os Caminhos que levam à Roma. É só Descurtir e logo o cara é banido para sempre da Nação Feicebuquiana.

-Vejam só, Constituição! Como estes caras conseguem inventar tantas bobagens...

Logo recebeu um KKKK, um HEHE e um ASHUASHUA em resposta.


(Obrigado pela inspiração, Arthur Azevedo)

sábado, 14 de setembro de 2013

Política X Geografia


Acho que todos sabem que Política significa "a arte (ou ciência) de governar um território, uma empresa, etc." e acho que todos sabem que o mundo de hoje é dividido politicamente em nações e estados (ou províncias), porém, em relação ao Cosmos, as coisas funcionam diferente.
O Sol se move de leste para oeste, mudando de posição, em relação ao norte e sul, duas vezes por ano.
E o que isto tem a ver com política?
Pois é, as divisões políticas não levam em conta a geografia e muito da esculhambação que temos hoje em dia é justamente porque, tanto os Políticos (aqueles que praticam a Política), como os Cidadãos (os que sofrerem com os atos políticos) não param para pensar nisto.
Então vamos ver o que acontece, geograficamente, com o mundo de hoje:


Rússia. 17.098.242 km². Mais de 7 mil km de Leste para Oeste por menos de 3 mil km de Norte a Sul. A maior parte situada no paralelo 60° Norte, com muita coisa no Círculo Polar Ártico.



Canadá. 9.984.670 km². Uns 5 mil km de Leste a Oeste e com menos de 3 mil km de Norte a Sul. Maior parte do território pelo paralelo 55° Norte.e com bastante área já no Círculo Polar Ártico.

China. 9.596.961 km². 4,5 mil km de leste para Oeste, 2,5 mil km de Norte a Sul. No paralelo 35° Norte, mas lembrando que a Oeste, tem a cadeia das mais altas montanhas da terra e que abriga, em seu território, o deserto de Gobi.



Estados Unidos. 9.371.174 km². Uns 4,3 mil km de Leste a Oeste e uns 2 mil km de Norte a Sul. Localizado no paralelo 50° Norte.


Brasil. 8.515.767 km². Mais de 4 mil km de Leste para Oeste e mais de 4 mil km de Norte a Sul. Dá para dizer que a maior parte do território está localizado no paralelo 10° Sul.



Austrália. 7.692.024 km². 4 mil km de Leste para Oeste e 3 mil km de Norte a Sul. Localizado no paralelo 25° Sul.

União Européia. 4.324.782 km². Uns 4 mil km de Leste a Oeste e uns 3 mil km de Norte a Sul. Tirando uma média, fica no paralelo 50° Norte.

Agora voltem para conferir as seguintes coisas: quais os países que tem extensão maior de Leste para Oeste e quais os países que tem maior extensão de Norte a Sul? Em torno de que paralelo, não interessa se é no hemisfério Norte ou no Sul, estão a maioria destes países? Quais destes países estão entre um Trópico e o Equador?

Como vocês vão levar um tempo para conferir, já vou dizendo as respostas:
·         todos, exceto o Brasil, tem maior extensão territorial de Leste a Oeste, ou seja, durante um ano a maior parte do território está sob uma mesma estação climática;
·         a maioria dos países está lá pelos 50°, seja sul ou norte: Estados Unidos e União Européia no Norte e aqui no sul Africa do Sul e Chile;
·         só o Brasil vai do hemisfério Norte ao hemisfério Sul, ressaltando que só um dos vértices do triângulo que é o Brasil, fica num trópico, os outros dois estão no Equador.

Destes países, só o Brasil tem verão e inverno ao mesmo tempo e só uma pontinha fica perto de onde as coisas são mais equilibradas.
Estes "desenvolvimentos" maiores foram por causa da Política ou a Geografia ainda manda no pedaço?

Então vamos botar a política em pauta e, comparando só Estados Unidos e Brasil,: lá eles foram conquistando (ou comprando) cada um dos estados, de leste para oeste, aqui ainda temos divisões políticas herdadas dos tempos das Capitanias Hereditárias, quando ainda Portugal mandava aqui, o mesmo país que concordou com o Tratado de Tordesilhas, quando ninguém (???) sabia o que existia prá de Fines Terres.

Agora, tenta te imaginar no comando desta "galera", sabendo que, quando vai abacaxizar lá no hemisfério norte, no sul vai bergamotar, só que o gaúcho quer comer abacaxi no seu inverno e o amapaense também quer comer bergamota no verão deles.
Coisa muito complicada, não é?
Lá nos Estados Unidos, os estados é que elegem e mandam no governo federal, aqui na nossa República Federativa, é o governo federal que decide quanto cada estado vai receber do bolo (dependendo se o governador for do partido!).
Como os "Capitães Hereditários" lá do nordeste somam uns 8 e como aqui no sul não somam nem uns 4 empresários que ainda são respeitados, a conta vai sobrar para nós pagar.
Gente! Não adianta chorumelas, se não mudarmos a Constituição, tudo vai acabar em pizza... à Moda Baiana, Maranhense, Cearense...



sexta-feira, 19 de abril de 2013

Feelings

Em novembro de 1997, Sônia, minha primeira namorada de verdade e companheira de uns 20 anos de venturas inesquecíveis, teve uma encefalite, provocada por um insignificante vírus da Herpes, que se alojou na região límbica do cérebro da Sônia e provocava ataques epiléticos, muito rápidos, que acho que só eu conseguia perceber também.

Na meia noite do dia 31 de dezembro de 1997, depois de deixar a Sônia num manicômio em Porto Alegre, parei o carro no Travessão, entre Novo Hamburgo e Dois Irmãos, perto do nosso sítio e fiquei vendo os fogos de artifício explodindo por todo o Vale do Rio dos Sinos, chorando há não mais poder.
Durante 3 anos lutei de todas as formas para trazer a Sônia de volta, mas era impossível, o maldito vírus tinha destruído justamente a área dos sentimentos do cérebro dela. Sônia tentou se suicidar diversa vezes e eu prometi a ela que eu a mataria, se visse que não pudesse ter uma vida normal.
Remédios conseguiram estabilizar as crises epiléticas dela, mas a Sônia nunca mais sorriu ou chorou, muito menos teve tesão por alguma coisa e eu, não mais suportando esta vida (eu tinha tesão e queria rir e chorar de novo!), sabendo que ela estava bem cuidada, deixei-a. Desde lá nunca mais chorei de verdade, talvez um pouco quando vejo um filme triste.

Hoje eu sei que tenho Síndrome de Asperger, lido com sentimentos de forma mecânica, racional, mas os sentimentos existem, mexem com a gente e nem mesmo um Aspie consegue controlá-los.

Sei que a Sônia está bem, vivendo ainda no sítio.
Vivi uns 6 anos com a Bety logo depois, mulher que me ensinou a arte de amar uma mulher. Motivos outros acabaram nos separando também.


Quando hoje encontrei este vídeo da Nina Simone, interpretando desta forma a música "Feelings", do Morris Albert, nome artístico de Maurício Alberto Kaisermann, um brasileiro, meus sentimentos explodiram.
Como não sei tocar piano, nem tampouco cantar, tive que extravasá-los aqui, escrevendo.




quinta-feira, 7 de março de 2013

Dia da Mulher


Neste teu dia, Mulher... 
  

Mesmo se tivesse um campo com todas as flores, ainda assim ficaria na dúvida qual flor te presentearia.


Talvez uma com perfume acre de um Cravo.



Ou o aroma doce de uma Rosa.


Quem sabe a forma majestosa de uma Tulipa.














Ou então uma simples Margarida.



Um vaso com Violetas, que florescem o ano inteiro?














Ou então só te vestir com o perfume do Tiarê?


Mas ainda vou escalar o que for preciso para poder te ofertar um Edelweiss.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O Farol no Fim do Mundo


Lá em 1967, eu, nos meus 14 anos, já tendo lido tudo do Conan Doyle, inclusive O Farol no Fim do Mundo, fiquei super excitado quando meu pai disse que iríamos até Ushuaia.
O planejamento da viagem foi uma aventura em si: pesquisar sobre Montevideo, Buenos Aires, Ushuaia e Punta Arenas; estudar a planta do navio da Ybarra, que nos levaria até bem pertinho do fim do mundo; trocar idéias com meu avô, Arno Poisl (o pai resolveu levar os pais dele junto), que só sabia que íamos um pouco mais para o sul do Chuí e num grande barco.
Ônibus da ITT até Montevideo, um, infelizmente muito rápido, primeiro vôo de avião comercial, com a Pluna, entre Montevideo e Buenos Aires. Disputa acirrada pelas janelas com meus três irmãos, para poder ver o Rio da Prata. Um taxi Mercedes Bens (uma glória para um guri quem ama automóveis e só conhecia Austins e Aero Willys) preto e amarelo nos leva para o hotel, na calle Lavalle, cerquito de la calle Florida, conhecida de nome mas nunca explorada.
Calle Forida nos anos 60 era referência mundial. Uma das primeiras ruas no mundo todo só para pedestres. Artigos de couro por todas as vitrines: napa, nonato, potrillo. Chicletes americanos que não tinham no Brasil. Discos e livros. Livros! Em cada quadra duas ou três livrarias, como não tinham na Riachuelo ou na Rua da Praia em Porto Alegre.
Adentrar no, ainda hoje templo das letras, é emoção que não se perde no tempo: El Ateneo! Impossível descrever, ver fotos é insuficiente, é preciso lá estar! Sentir o cheiro de milhares de anos de papel e tinta, ali disponíveis para serem manuseados, em 3 andares de uma construção magnífica, como só na Europa existia.
Entre as maravilhas da calle Florida e os muitos restaurantes da Avenida Callau, na Recoleta, tivemos tempo para admirar a Casa Rosada, o Obelisco e a Avenida 9 de Julio, a avenida mais larga do mundo, obra de um Peron, que tudo fazia para que Buenos Aires fosse a capital do Brasil, onde andamos de metro, um trem subterrâneo, imaginem só!
Tempo para nos deliciarmos com Papas Infladas. Deliciosas batatas fritas, redondinhas como balões, crocantes por fora, só ar no meio, até fáceis de fazer (para quem sabe), mas que nunca mais pude degustar.
Falando em degustar, conhecer uma parillada é qualquer coisa para vivente nenhum esquecer. Imaginem um guri, nos seus 14 anos, bem no “freshyaren”, descobrir mollejas, riñones, morcelas e outras carnes que os gaúchos dos Pampas não aproveitam.
Hora dos vovôs e as crianças irem pro berço, mas hora dos Velhos irem para a Boca. Sabia eu lá onde e o que era a Boca, só sabia que lá tinha um time de futebol e que ali dançavam Tango.
Bem cedo no outro dia, confusão geral: minha mãe, a Dalila, pior cliente que a Novosseguro já teve, conseguira quebrar a perna na Boca! O navio zarparia d’ali há algumas horas! Teléfonos daqui, taxi d’ali. Buenos Aires era o centro do universo, pelo menos da America do Sul, e logo minha mãe estava com uma linda bota de gesso.
Correria até a dársena C, no porto, de onde zarparia nosso navio.
O povo todo, na dársena, parou para ver o marujo levar minha mãe no colo até o navio, alguns aplaudiram. Na recepção, já estava o Mônaco, não vou lembrar o nome todo dele, mas era o agente da Ybarra em Porto Alegre e viajaria conosco, e que já conseguira trocar os cubículos em que ficaríamos, por outros um andar acima.
É que os Cruzeiros do pai, mal podiam pagar uns cubículos lá no porão do navio. Graças a perna quebrada da mãe e a interferência do Mônaco, conseguimos um upgrade para dois cubículos mais para cima, inclusive com vigias para o mar!
Minha irmã e eu ficamos numa cabine com o vovô Arno e a vovó Onila, dois beliches e um baño só para nós! Maravilha! Se não fosse o upgrade do Mônaco, teríamos que usar um banheiro coletivo.
Descrever o que era o navio é impossível, talvez meus irmãos menores possam, já que conseguiram entrar até na Sala de Máquinas, que é proibida para todos os passageiros. Entre jogos de Techo, Tiro ao Plato, baños na pileta; fomos para o almuerzo no Comedor Azul.
Em grandes mesas redondas para 8 pessoas, toalhas de linho branquíssimo, três ou quatro pratos empilhados, guardanapos maiores do que fraldas, montes de facas na direita, outros garfos e colheres na esquerda, uns três copos na frente (Benditos anos passados na Fundação Evangélica, que me ensinaram a não temer tamanha confusão, é só ir de fora pra dentro; deu certo!. Pelo menos ninguém riu.) O pai e o vô discutiram sobre o vinho, eu escolhi uma Coca-Cola safra 1967 mesmo. Enquanto eu apreciava o cisne esculpido em gelo no centro do salão, veio a entrada, o primeiro prato, o segundo... perdi a conta dos pratos quando veio o dessert, que descobri ser um sorvete. Mas ainda tinha uma tabua de queijos e frutas para terminar.
Depois de explorar o navio, fui para a cabine tomar um banho. No meio do caminho, pedi para o camarero um sanduíche. Estava eu no bom do banho, quando escuto baterem na porta, minha avó abre a porta e o camarero diz: “El Chico há pedido um sanduiche”. Minha avó bate a porta, dizendo: “Aqui não tem Chico nenhum! Só o Ício.”
Sem o sanduíche, mas depois da cena no Comedor Azul, que tinha outros muitos piatos, helados y quesos, era hora de vestir minha fatiota da confirmação, acontecida no ano anterior. As mangas já estavam no meio do braço e as calças no meio da canela, mas o que fazer! Para o baile, era preciso saco e corbata. Não tinha nenhuma niña da minha idade, então acabei tirando algumas viejas que ninguém tirava para dançar. Tuve una rúbia que no mas olvido, terminamos la noche com ella pagando muchas cervezas, acho que ela queria me abduzir.
Milhas e milhas marítimas pelo Atlântico Sul, inclusive tempestades, que fizeram 90% dos viajantes ficarem nos seus camarotes, a Dalila, minha mãe, além do pé quebrado, resolveu ter uma dor de dente, mas o dentista Selívio Kehl, que casualmente estava fazendo o mesmo cruzeiro, resolveu logo, usando os instrumentos de um estojo de unhas.
Não vi o Farol no Fim do Mundo, estava nublado quando arribamos por lá, mas eis que chegamos em Ushuaia, a cidade mais austral do mundo!
Não deu nem para lembrar do Conan Doyle, eram muitas as emoções, uma delas era ir de barco inflável até a cidade, vestindo Parcas impermeáveis.
Não passavam de umas três ou quatro quadras a tal de Ushuaia, coisa que nem Dois Irmãos na mesma época. Marcante foi ver carniças dependuradas do lado de fora da carniceria, pareciam cachorros sem pêlos, prontos para saltarem de lá. Eram carniças de carneiros, que tanto fazia ficarem dentro ou fora do local, já que a temperatura era a mesma. Também fiquei impressionado com as imagens das poucas árvores que haviam por lá: toscos arbustos que teimavam crescer, mas acabavam como esculturas catéticas, preservando a força dos ventos que ainda sopram lá nas terras da Terra do Fogo.
Noutro dia fomos visitar o ventisqueiro Perito Moreno. Passar de barquinho inflável pertinho do paredão de gelo que deságua no mar, é inesquecível. Só o meu pai pode degustar um uísque doze anos, servido cerimonialmente pelo comandante do barquinho de borracha, que perguntava: “Una o dos piedras, señor”, antes de pegar as pedras de gelo que flutuavam ao redor. Eu, com uma Coca-Cola, fiquei ali tentando calcular quantos litros de água doce o ventisqueiro Perito Moreno fornecia para o estreito de Beagles todo o ano.
Mas as férias já tardavam e o estreito de Magalhães nos esperava. Cruzar do Atlântico para o Pacífico, ou vice versa, uma centena de anos antes, era praticamente impossível. Os dois oceanos têm alguns metros de diferença de nível, além disto, os ventos de oeste brigam com os de este. Graças a Fernando de Magalhães, foi descoberta uma passagem segura entre estes dois oceanos, mas não foi tarefa comum, o Fernando teve que entrar e depois sair de diversos estreitos até achar um que ligava o Atlântico com o Pacífico.
No estreito de Magalhães fomos brindados por nova aventura: eis que se aproxima do nosso enorme navio, uma minúscula lancha torpedeira.
Eu já sabia disto, porque já tinha lido que o presidente Kennedy tinha comandado uma lancha torpedeira na Guerra da Coréia e sabia que aquele barquinho podia colocar a pique aquele nosso barcão num instante.
É que os argentinos e os chilenos precisam mostrar para todo o mundo, que continuam disputando umas ilhazinhas lá pertinho do Farol do Fim do Mundo.
O capitão do barquinho chileno berrou num megafone: “Quien és el capitan?”.  O nosso capitan logo respondeu, com um megafone, e convidou o outro capitan para um uísque lá em Punta Arenas.
Ah, se deixassem o uísque resolver os problemas do mundo!
Puta Arenas é uma metrópole, se tu conseguires imaginar uma grande cidade lá no fim do mundo.
Uma bela praça, com uma estátua de Fernando de Magalhães, muitos marinheiros, um deles até tentou cantar minha irmã.
O resto da viagem não lembro mais, muitos almoços e jantas, com muitos pratos e muitas esculturas de gelo. Muitas Cenas de Media Notche. Muitas cervezas que mi amada, hoy olvidada, me propiciou.