segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O Farol no Fim do Mundo


Lá em 1967, eu, nos meus 14 anos, já tendo lido tudo do Conan Doyle, inclusive O Farol no Fim do Mundo, fiquei super excitado quando meu pai disse que iríamos até Ushuaia.
O planejamento da viagem foi uma aventura em si: pesquisar sobre Montevideo, Buenos Aires, Ushuaia e Punta Arenas; estudar a planta do navio da Ybarra, que nos levaria até bem pertinho do fim do mundo; trocar idéias com meu avô, Arno Poisl (o pai resolveu levar os pais dele junto), que só sabia que íamos um pouco mais para o sul do Chuí e num grande barco.
Ônibus da ITT até Montevideo, um, infelizmente muito rápido, primeiro vôo de avião comercial, com a Pluna, entre Montevideo e Buenos Aires. Disputa acirrada pelas janelas com meus três irmãos, para poder ver o Rio da Prata. Um taxi Mercedes Bens (uma glória para um guri quem ama automóveis e só conhecia Austins e Aero Willys) preto e amarelo nos leva para o hotel, na calle Lavalle, cerquito de la calle Florida, conhecida de nome mas nunca explorada.
Calle Forida nos anos 60 era referência mundial. Uma das primeiras ruas no mundo todo só para pedestres. Artigos de couro por todas as vitrines: napa, nonato, potrillo. Chicletes americanos que não tinham no Brasil. Discos e livros. Livros! Em cada quadra duas ou três livrarias, como não tinham na Riachuelo ou na Rua da Praia em Porto Alegre.
Adentrar no, ainda hoje templo das letras, é emoção que não se perde no tempo: El Ateneo! Impossível descrever, ver fotos é insuficiente, é preciso lá estar! Sentir o cheiro de milhares de anos de papel e tinta, ali disponíveis para serem manuseados, em 3 andares de uma construção magnífica, como só na Europa existia.
Entre as maravilhas da calle Florida e os muitos restaurantes da Avenida Callau, na Recoleta, tivemos tempo para admirar a Casa Rosada, o Obelisco e a Avenida 9 de Julio, a avenida mais larga do mundo, obra de um Peron, que tudo fazia para que Buenos Aires fosse a capital do Brasil, onde andamos de metro, um trem subterrâneo, imaginem só!
Tempo para nos deliciarmos com Papas Infladas. Deliciosas batatas fritas, redondinhas como balões, crocantes por fora, só ar no meio, até fáceis de fazer (para quem sabe), mas que nunca mais pude degustar.
Falando em degustar, conhecer uma parillada é qualquer coisa para vivente nenhum esquecer. Imaginem um guri, nos seus 14 anos, bem no “freshyaren”, descobrir mollejas, riñones, morcelas e outras carnes que os gaúchos dos Pampas não aproveitam.
Hora dos vovôs e as crianças irem pro berço, mas hora dos Velhos irem para a Boca. Sabia eu lá onde e o que era a Boca, só sabia que lá tinha um time de futebol e que ali dançavam Tango.
Bem cedo no outro dia, confusão geral: minha mãe, a Dalila, pior cliente que a Novosseguro já teve, conseguira quebrar a perna na Boca! O navio zarparia d’ali há algumas horas! Teléfonos daqui, taxi d’ali. Buenos Aires era o centro do universo, pelo menos da America do Sul, e logo minha mãe estava com uma linda bota de gesso.
Correria até a dársena C, no porto, de onde zarparia nosso navio.
O povo todo, na dársena, parou para ver o marujo levar minha mãe no colo até o navio, alguns aplaudiram. Na recepção, já estava o Mônaco, não vou lembrar o nome todo dele, mas era o agente da Ybarra em Porto Alegre e viajaria conosco, e que já conseguira trocar os cubículos em que ficaríamos, por outros um andar acima.
É que os Cruzeiros do pai, mal podiam pagar uns cubículos lá no porão do navio. Graças a perna quebrada da mãe e a interferência do Mônaco, conseguimos um upgrade para dois cubículos mais para cima, inclusive com vigias para o mar!
Minha irmã e eu ficamos numa cabine com o vovô Arno e a vovó Onila, dois beliches e um baño só para nós! Maravilha! Se não fosse o upgrade do Mônaco, teríamos que usar um banheiro coletivo.
Descrever o que era o navio é impossível, talvez meus irmãos menores possam, já que conseguiram entrar até na Sala de Máquinas, que é proibida para todos os passageiros. Entre jogos de Techo, Tiro ao Plato, baños na pileta; fomos para o almuerzo no Comedor Azul.
Em grandes mesas redondas para 8 pessoas, toalhas de linho branquíssimo, três ou quatro pratos empilhados, guardanapos maiores do que fraldas, montes de facas na direita, outros garfos e colheres na esquerda, uns três copos na frente (Benditos anos passados na Fundação Evangélica, que me ensinaram a não temer tamanha confusão, é só ir de fora pra dentro; deu certo!. Pelo menos ninguém riu.) O pai e o vô discutiram sobre o vinho, eu escolhi uma Coca-Cola safra 1967 mesmo. Enquanto eu apreciava o cisne esculpido em gelo no centro do salão, veio a entrada, o primeiro prato, o segundo... perdi a conta dos pratos quando veio o dessert, que descobri ser um sorvete. Mas ainda tinha uma tabua de queijos e frutas para terminar.
Depois de explorar o navio, fui para a cabine tomar um banho. No meio do caminho, pedi para o camarero um sanduíche. Estava eu no bom do banho, quando escuto baterem na porta, minha avó abre a porta e o camarero diz: “El Chico há pedido um sanduiche”. Minha avó bate a porta, dizendo: “Aqui não tem Chico nenhum! Só o Ício.”
Sem o sanduíche, mas depois da cena no Comedor Azul, que tinha outros muitos piatos, helados y quesos, era hora de vestir minha fatiota da confirmação, acontecida no ano anterior. As mangas já estavam no meio do braço e as calças no meio da canela, mas o que fazer! Para o baile, era preciso saco e corbata. Não tinha nenhuma niña da minha idade, então acabei tirando algumas viejas que ninguém tirava para dançar. Tuve una rúbia que no mas olvido, terminamos la noche com ella pagando muchas cervezas, acho que ela queria me abduzir.
Milhas e milhas marítimas pelo Atlântico Sul, inclusive tempestades, que fizeram 90% dos viajantes ficarem nos seus camarotes, a Dalila, minha mãe, além do pé quebrado, resolveu ter uma dor de dente, mas o dentista Selívio Kehl, que casualmente estava fazendo o mesmo cruzeiro, resolveu logo, usando os instrumentos de um estojo de unhas.
Não vi o Farol no Fim do Mundo, estava nublado quando arribamos por lá, mas eis que chegamos em Ushuaia, a cidade mais austral do mundo!
Não deu nem para lembrar do Conan Doyle, eram muitas as emoções, uma delas era ir de barco inflável até a cidade, vestindo Parcas impermeáveis.
Não passavam de umas três ou quatro quadras a tal de Ushuaia, coisa que nem Dois Irmãos na mesma época. Marcante foi ver carniças dependuradas do lado de fora da carniceria, pareciam cachorros sem pêlos, prontos para saltarem de lá. Eram carniças de carneiros, que tanto fazia ficarem dentro ou fora do local, já que a temperatura era a mesma. Também fiquei impressionado com as imagens das poucas árvores que haviam por lá: toscos arbustos que teimavam crescer, mas acabavam como esculturas catéticas, preservando a força dos ventos que ainda sopram lá nas terras da Terra do Fogo.
Noutro dia fomos visitar o ventisqueiro Perito Moreno. Passar de barquinho inflável pertinho do paredão de gelo que deságua no mar, é inesquecível. Só o meu pai pode degustar um uísque doze anos, servido cerimonialmente pelo comandante do barquinho de borracha, que perguntava: “Una o dos piedras, señor”, antes de pegar as pedras de gelo que flutuavam ao redor. Eu, com uma Coca-Cola, fiquei ali tentando calcular quantos litros de água doce o ventisqueiro Perito Moreno fornecia para o estreito de Beagles todo o ano.
Mas as férias já tardavam e o estreito de Magalhães nos esperava. Cruzar do Atlântico para o Pacífico, ou vice versa, uma centena de anos antes, era praticamente impossível. Os dois oceanos têm alguns metros de diferença de nível, além disto, os ventos de oeste brigam com os de este. Graças a Fernando de Magalhães, foi descoberta uma passagem segura entre estes dois oceanos, mas não foi tarefa comum, o Fernando teve que entrar e depois sair de diversos estreitos até achar um que ligava o Atlântico com o Pacífico.
No estreito de Magalhães fomos brindados por nova aventura: eis que se aproxima do nosso enorme navio, uma minúscula lancha torpedeira.
Eu já sabia disto, porque já tinha lido que o presidente Kennedy tinha comandado uma lancha torpedeira na Guerra da Coréia e sabia que aquele barquinho podia colocar a pique aquele nosso barcão num instante.
É que os argentinos e os chilenos precisam mostrar para todo o mundo, que continuam disputando umas ilhazinhas lá pertinho do Farol do Fim do Mundo.
O capitão do barquinho chileno berrou num megafone: “Quien és el capitan?”.  O nosso capitan logo respondeu, com um megafone, e convidou o outro capitan para um uísque lá em Punta Arenas.
Ah, se deixassem o uísque resolver os problemas do mundo!
Puta Arenas é uma metrópole, se tu conseguires imaginar uma grande cidade lá no fim do mundo.
Uma bela praça, com uma estátua de Fernando de Magalhães, muitos marinheiros, um deles até tentou cantar minha irmã.
O resto da viagem não lembro mais, muitos almoços e jantas, com muitos pratos e muitas esculturas de gelo. Muitas Cenas de Media Notche. Muitas cervezas que mi amada, hoy olvidada, me propiciou.





Nenhum comentário:

Postar um comentário